Noite no Cemitério
Boris de Pedra
Apesar da idade avançada, seu Lindolfo, ainda
podia se orgulhar de trabalhar como guarda de segurança. Trabalhava no período
noturno. Não era de dormir no serviço. Mas às vezes cochilava. Tudo era muito
tranquilo. Talvez fosse melhor dizer silencioso. Mas não tanto. Porque era
sempre acompanhado por um radinho de pilha. O locutor mencionou o nome de
Bernardo Belisário, um investidor.
O cara devia ter grana. Mas não prestou atenção.
Nem chegou a abrir o olho. A descontração não combinava com o cargo que
ocupava. Onde já se viu um vigia noturno dormindo no serviço. Mas os cabelos
grisalhos e o aspecto frágil daquele homem insinuava que não estava ocupando o
cargo certo.
Porém, talvez fosse o ambiente de trabalho. Não
era um banco. Mas um cemitério. Então , não precisava ser forte para tomar
conta de um lugar que só tem defunto. Talvez por isso trabalhasse ali. No
entanto, a noite não era tão tranquila assim. Apesar de que próximo a guarita poderia
se ouvir, em alto e bom som, os roncos daquele velho fardado.
Havia um grupo de jovens perambulando entre os
túmulos. Eles pularam o muro de trás do cemitério e agora caminhavam entre os
mortos. Estavam agitados. Eram ladrões de túmulos. Mas parecem que eram novos
no ramo. A especialidade da rapaziada era arte sacra. Costumavam a assaltar
igrejas.Mas parece que na última tentativa não tiveram a
sorte que sempre os acompanhavam. Por isso estavam agitados.
_Você viu aquela
coisa?
Era meia noite e tinha lua cheia. Ninguém queria
falar, talvez por medo de que pudesse ser verdade. Mas ninguém acreditava em
lobisomem. Não tinha nada a ver. Entretanto, haviam sido atacados quando saíam
da igreja carregando os objetos furtados. Só poderia ter sido coincidência.
_ Cara, foi
algo muito estranho! Sinistro!
Não agradava a nenhum deles a lembrança daquela
noite. Além do mais, gerou prejuízo. Isto porque os objetos foram perdidos.
Ficaram tão assustados que só se preocuparam em fugir. No rosto uma expressão
de terror. Correram e correram muito.
Depois como é que explicariam isso. O receptador,
que era o mesmo que encomendava as peças e depois deveria revender. Mas isto
era uma suposição. Sabiam que ele indicava o local e pagava na entrega da coisa
furtada. Era isso que sabiam. Como poderiam falar que naquela noite foram
atacados por um lobisomem quando saíam da igreja?
Ele iria pensar que estivessem bêbados. Só que de
fato eles estavam bêbados. Sumiram da área. O receptador não gostou deste
sumiço. Antes não ficasse sabendo o motivo. Mas justamente por não saber o
motivo é que dispensou a rapaziada. Eles ficaram sem o emprego. Se é que
podemos chamar esta atividade de emprego. Era crime mesmo.
Mas eram especialistas no assunto. Não que fossem
religiosos , mas entendiam de santos. Principalmente de imagens. Não tinham a
capacidade de localizar a igreja que teria algo de valor. Mas estando lá dentro
sabiam do que se tratava. Isto lhes dava segurança. Tornaram-se confiantes.
Especializaram no assunto. Por outro lado se acomodaram. Não diversificaram sua
ação.
Então, quando ocorreu o acontecido e não puderam
dar continuidade na sua relação comercial ficaram meio que sem rumo. Além deste
detalhe servir para ocultar o medo que se instalou de reencontrar com aquela
coisa assustadora. Eles não gostavam nem de pensar no assunto.
_Você tomou a
vacina contra raiva?
Um deles se virou e perguntou, baixinho, para um
dos comparsas. Na verdade, aquela pergunta queria era camuflar uma verdade.
Assim, tirariam o foco do lobisomem e passavam a tratar a coisa que os atacou
como se fosse um cachorro louco. Um cão babando de raiva. Antes fosse. Queriam
pensar assim.
O silêncio da noite era quebrado por seus passos
e pelos cochichos que trocavam entre si. Ninguém sabe ao certo qual deles foi
que teve a idéia de continuar no jogo. Mas um deles percebeu que assaltar um
túmulo era mais seguro do que correr o risco de invadir uma igreja e na saída
ser surpreendido por um ataque como aquele que tinham sofrido.
Aparentemente, quando saíram deram de cara com um
sujeito bem vestido. O cara estava de terno. Era algo que não podia estar
acontecendo. Quem estaria vestido daquela forma naquela hora da noite? Bom, na
hora não deu para tirar conclusões precipitadas. Tinham feito o limpa. Não quer
dizer que levaram tudo. Mas só o essencial. Saíram em disparada. Talvez não
fossem tão profissionais assim.
Eram afoitos. Então, praticamente, esbarraram
neste cara misterioso que estava de terno. Atropelaram o cara. Não tinham a
intenção de espancá-lo. Mas quem falou em dar porrada? Não teve nada disso. Foi
uma coisa rápida. De repente, do nada, surgiu saindo do meio da escuridão um
vulto. Ninguém gostava de lembrar de uma coisa dessas.
Então, resolveram roubar os mortos. Algo dizia
que eles não iriam reagir. Na guarita, o vigia não estava preocupando com isso.
Deveria estar sonhando. O vento soprou fazendo as folhas secas levantarem-se do
chão. Em uma das várias lápides poderia se ler “Descanse Em Paz”.
Mas, nenhum deles tinha paz de espírito. Para
aumentar o desconforto não queriam que a lembrança daquela noite voltasse a
causar calafrios. Por isso não mencionavam nada. Não diziam uma palavra sequer.
No máximo, sussurravam um com outro. Mas tentando desviar do assunto. Mas
aquilo estava dentro da cabeça deles. Seria mais fácil e recomendável
verbalizar este medo do que mantê-lo preso na sua memória. Isto os deixava
ainda mais angustiados.
_Quem é que está com o pé
de cabra?
Ninguém se importou em ler o que estava escrito
na lápide, muito menos demonstraram interesse em saber o nome do defunto que em
breve iriam roubar. Era um jázigo que deveria ser de uma família rica. Havia
uma estátua com um anjo de asas. Estava desgastada pelo tempo. Mas demonstrava
que poderia ter sido enterrada ali alguma madame de classe alta e com muitos
recursos que poderia ter passado desta para melhor acompanhada de suas jóias.
Tinha uma certa lógica.
Isto se fizessem um paralelo com os faraós
egípcios. Só se for assim. Mas também poderia ser uma obturação de ouro. Um
anel ou quem sabe uma aliança. Enfim, deveria ter alguma coisa de valor.
Chegaram a tirar um caixão do lugar. Estavam
nervosos. Um deles pegou uma marreta e começou a bater. A intenção era abrir
aquela caixa grande. Tinham levado uma maçarico, mas a tensão fez com que
tentassem abri-lo de uma maneira mais brutal. O barulho que faziam não
incomodava ninguém. Na guarita, o vigia roncava e o radinho de pilha tocava uma
música.
Mesmo assim um deles sentiu-se incomodado. Pediu
para o mano que estava com a marreta para que parasse. Ele não ouviu da
primeira vez e continuou com o ritmo forte das batidas. Na segunda vez ele
gritou. A marreta parece que tinha vida própria e aquele que a usava parecia
ser um instrumento.
Por fim, aquele que se sentia incomodado apelou.
Ficou com raiva e esta parece que havia sido transmitida para os outros que
também queriam que parasse de martelar o caixão. Não havia motivo, mas se
tivesse como observar os rostos deles poderíamos perceber que estavam
transtornados. Era como se estivessem que se deparar com uma situação que não
gostariam de vivenciar. Eles suavam.
Então, as marretadas pararam. O cara que a segurava
estava ofegante. Alguém gritou de novo. Outros gritos foram ouvidos. Estavam
descontrolados. Era uma tentativa de comunicação. Mas não conseguiam. Trocaram
tapas e socos. Até que conseguiram acalmar. Entenda-se por isso o fato de
ficarem em silêncio. Mesmo assim, não conseguiram este intento.
Entreolharam-se. Para ter a certeza de que nenhum
deles estava fazendo alguma coisa além de estarem quietos. Concluíram , apesar
do clima tenso, que algo estava destoando. Não era mais as marretadas. Era um outro
tipo de som. Parecia uma pancada. Apesar do silêncio que era quebrado pelo
barulho do vento conseguiram escutar um outro tipo de som.
Um deles colocou o dedo indicador sobre a boca
como se pedisse silêncio. Ele se entreolharam e puderam identificar um zumbido.
Era uma música distante que provavelmente estava sendo emitida pelo rádio.
Quanto a isso, depois de alguns segundos, deu para identificar. Mas aquela
vibração de uma pancada abafada continuava. Eles não queriam acreditar. O som
vinha de dentro de um caixão.
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